... se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus (Mt 5,20)!
Quem dera
pudéssemos verdadeiramente compreender este mistério que une a nossa vida, a
vida de Cristo. Quem dera todo cristão entender o significado deste grande
Mistério Pascal realizado em nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho do Deus
Altíssimo e da sempre Virgem Maria.
Como nos diz o
salmista[1],
participar deste mistério é provar e ver quão suave é o Senhor; é anunciar em
alta voz a glória do Filho de Deus que veio ao mundo não para condená-lo[2],
mas, para salvá-lo e defender os pobres e humildes de coração.
O evangelista
Mateus hoje nos dirá que devemos superar a justiça daqueles que se acham justos[3],
daqueles que classificam e separam os filhos de Deus como “santos” e “pecadores”.
E eu não vejo em hipótese nenhuma, alguém conseguir ser verdadeiramente justo
sem estar unidos à vida de Cristo[4].
Creio que fazer
parte da páscoa do Senhor é pensar como Ele pensou, agir como Ele agiu e viver
deixando de lado toda e qualquer diferença social, cultural e econômica que possa
haver em nosso relacionamento com os nossos irmãos.
Não imagino
Jesus tendo um relacionamento dúbio com o outro, sobretudo, com àqueles que
estavam mais próximos a Ele e que conviviam em sua comunidade e ao seu redor.
Quando
aprendemos, de fato, a viver na vida de Cristo, aí, sim, fazemos novas todas as coisas[5],
a começar por nós mesmos, que tantas vezes somos mesquinhos em nossos
comportamentos, vivendo como se o outro fosse nosso inimigo mortal, como se ele
fosse um inimigo do Senhor e das coisas celestiais.
Sabemos que ninguém
defendeu tanto a unidade e a reconciliação do povo de Deus como o Filho da
virgem Maria, e se realmente queremos ser “In
Persona Christi”, como enchemos a boca para falar que somos; em nosso caso,
seminaristas, em falar que agiremos “In
Persona Christi”; se realmente queremos ser a imagem de Cristo para o
outro, devemos mudar radicalmente nossas atitudes para com o próximo, principalmente
para com àqueles que temos mais dificuldades de nos relacionar.
Devemos assumir
em nossa vida a missão do próprio Cristo, que foi a de não perder nenhum
daqueles que Deus lhe deu com tanto amor e com tanto carinho. E isso inclui
aqueles que não temos tanta intimidade, e digo intimidade para não dizer, mas
já dizendo, inimizade, birra, intriga, hostilidade e tantos outros adjetivos
que nos separam do outro e do ideal do “Ser” cristão.
“Senhor, quantas vezes devo perdoar meu
irmão[6]”
indagou o apóstolo Pedro. E Jesus claramente lhe responde “não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete[7]”.
Vemos,
portanto, que a reconciliação é fundamental na vida de todo cristão, pois só
está unido a Deus quem está unido ao próximo[8] e
é por isso que Jesus exorta-nos “a
reconciliarmos com nossos irmãos, antes de participarmos do banquete do Senhor,
do altar da Eucaristia[9]”.
Podemos ver
através da primeira leitura, Elias buscando superar todos os conflitos e
desavenças que tinha com o inimigo; e quando estamos em comunhão com as coisas
do alto, somos capazes de enxergar a mão poderosa de Deus agindo
misteriosamente em nossa vida e desfazendo toda e qualquer ação do maligno que
tenta a todo instante nos tirar do caminho da luz e da verdade.
Não queiramos,
amigos, ser juizes deste mundo, apontando destrutivamente o erro e a
dificuldade do outro, que nossos atos e correções sejam sempre frutos do amor e
da fraternidade, e não esqueçamos nunca, que toda ação de Jesus, sempre visou a
nossa salvação[10] e não o
nosso aniquilamento, nossa destruição e humilhação, como muitas vezes fazemos
com nossos irmãos, sobretudo, com aqueles que estão mais próximos a nós.
Portanto, que
nossas ações possam estar sempre unidas à ação de Cristo, para que tenhamos a
força de gerar o amor e a caridade onde impera o ódio, a discórdia e a desunião.
Acredito que viver
a páscoa de Cristo é participar integralmente de sua paixão e ressurreição e
deixar Ele participar igualmente de nossas dores, tristezas e também de nossas alegrias.
Sabemos que não
é fácil superar nosso ego e nossas convicções, sobretudo, quando ela está
relacionada àquelas pessoas que não partilham da mesma ideia que nós. Mas, se
realmente queremos viver de acordo com os princípios cristãos, devemos viver
para Cristo, com Cristo e em Cristo, agindo como Ele mesmo agiu no
relacionamento com o outro.
Há algum tempo
fomos indagados sobre “onde e como
encontrar Cristo[11]”,
não o Cristo sepultado por nossos pecados, mas, sim, o Cristo ressuscitado que
está presente e vivo hoje, aqui e agora como nos lembrou o papa na tradicional
mensagem pascal[12].
E para
responder a essa pergunta, eu me atreveria a dizer que primeiramente encontramos
Jesus não no próximo, como muitos dizem, mas, sim, através da oração, pois é a
partir dela que somos fortificados e unidos no amor de Cristo.
E quando digo
que é através da oração, não estou querendo dizer em quantidades, mas, sim, em intensidade,
em qualidade. Pois podemos rezar o rosário ou todas as horas do breviário
diariamente, mas de que adianta ela não ser uma oração sincera, uma oração de
entrega, uma oração que não me coloca na presença e em sintonia com o Senhor
ressuscitado.
Creio que quando
nos transfiguramos[13]
no amor de Cristo, nossa oração se converte em luz interior e nosso espírito
adere, assim, ao espírito de Deus e suas vontades se fundem ao nosso ser, e “nos tornamos um em Cristo, como Ele é um
no Pai[14]”.
Só a partir do
momento em que encontrarmos o Senhor em nosso mais íntimo é que seremos capazes
de testemunhar com nossa própria vida a nossa união com o Salvador; vivendo sempre
disponível para aliviar a dor do próximo, amando-os como Cristo mesmo os ama, pois
neste momento os seus desejos se tornam nossos desejos, sua dor se torna nossa
dor e suas alegrias em nossa alegria.
Acredito, sim,
que sem a oração, sem esta intimidade com o Senhor, corremos o risco de
enxergar Cristo apenas naqueles a quem amamos; e será que com esta atitude, de enxergar
Cristo apenas naqueles que amamos, estamos realmente vendo o Cristo que se
entregou, não apenas por alguns, mas, por toda a humanidade? Será que realmente
estamos vendo aquele Cristo que disse: “os
que têm saúde não precisam de médico, mas sim, os doentes; não vim para chamar
justos, mas, sim, pecadores[15]”.
Será que o
Messias, hoje, diria a cada um de nós, “estive
doente e tu me visitas-te[16], tive
sede e me deste de beber, tive fome e me deste de comer[17]”.
Devemos nos
perguntar a todo instante sobre qual Cristo está imperando em nossa vida e que
tipo de caridade estamos pregando aos nossos irmãos? A caridade do Senhor Ressuscitado ou a caridade dos Escribas
e Mestres da lei?
Não esqueçamos,
meus irmãos, que é pela reconciliação que a paz, a unidade e a vida na
comunidade é mantida, e que “todo aquele
que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo[18] e
jogado na prisão, e ficará lá até que pague o último centavo de sua dívida[19]”.
Caríssimos,
amigos, que possamos ser verdadeiros apascentadores do rebanho do Senhor e
sempre confessar com todo vigor o nosso amor e a nossa lealdade ao Filho do
Deus vivo, testemunhando com a própria vida nossa união com Jesus Cristo o
Filho da sempre virgem Maria que a todo o momento nos chama à reconciliação e
ao amor fraterno uns para com os outros.
“Não te digo até sete vezes, mas até setenta
vezes sete[20]”,
“quem tem ouvidos para ouvir, ouça[21]”.
Louvado
seja o Nosso Senhor Jesus Cristo!
[1] Sl 33
[2] Jo 12,47
[3] 1Jo 2,29
[4] 1Jo
4,7-8.12b.16b ; Liturgia das Horas, v. 2, p.263.
[5] At 21,2-5
[6] Mt 18,21
[7] Mt 18,22
[8] Mt 18,20
[9] Mt 5,23-24
[10] Jo
12,47
[11] Pe.
Genaldo, em 11/04/2012.
[12] Bento
XVI, 2012.
[13] Mt
17,1-9
[14] Bento
XVI. Ângelus – 08/03/2012
[15] Mt
9,12-13
[16] Mt
25,36
[17] Mt
25,35
[18] Mt 5,22
[19] Mt 5,25
[20] Mt
18,22
[21] Mc 4,9