Sagrada Família

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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

ALEGRAI-VOS SEMPRE NO SENHOR

... a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira
daqueles que se encontram com Jesus!
Caríssimos irmãos, a Sagrada Escritura neste dia nos convida à alegria, pois o Rei, que esperamos, já está em nosso meio e é com Ele que preparamos o Advento de seu Reino.

O Senhor nos mostrar que tudo aquilo que outrora fora anunciado pelos profetas já se faz presente em meio aos homens, por isso, glorifica Jerusalém, o mundo novo já chegou!

Mateus, portanto, indaga todas as pessoas e grupos a assumirem diante de Cristo novas posturas e atitudes que sejam condizentes com a vontade do Pai.

Podemos hoje separar o nosso evangelho em duas partes, na qual a primeira, Jesus afirma ser o Messias Salvador, Aquele que devia vir ao mundo; e na segunda parte, vemos a declaração de Jesus sobre João Batista.

Estando preso, João ouve falar das obras realizadas por Jesus e envia até Ele os seus discípulos com a missão de confirmar a sua messianidade do Nazareno, por isso que eles perguntam: És tu, aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?

João e todo o povo de Israel esperavam um messias que viesse lançar fogo a terra, um juiz severo que castigaria todos os pecadores e governasse com punho forte e braço de ferro.

Ao contrário do que todos esperavam, Jesus se aproxima do pecador, do pobre e do enfermo e, isso deixa o Batista e seus discípulos completamente desconcertados. Por isso é que João envia os seus discípulos até Jesus.

Quantas e quantas vezes também nós ficamos escandalizados quando vemos a “ovelha negra” da comunidade recebendo mais atenção do que aquela que todos os dias está com o seu tercinho diante do Santíssimo; quantas vezes nos escandalizamos quando a atenção é dada a um regresso da comunidade. Quantas vezes esquecemos das palavras de Jesus que diz: O Filho do Homem veio para salvar o que estava perdido. [...] o Pai que está no céu não quer que nenhum de seus filhos se percam[1].

Portanto a ação de Jesus é sempre de dar vida[2] aos que estão mortos no pecado e na dor. E este é o sinal messiânico anunciado pelo profeta Isaias: os surdos ouvirão[3], os cegos enxergarão[4], os coxos andarão[5] e os pobres ouvirão a Boa Nova[6]. Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo, pois estas são obras que comprovam que o grande dia já chegou.

Contrariamente a muitos de nós, Jesus não se incomoda com a pergunta de João, pois sabe que ele não é um pregador oportunista cuja mensagem segue a moda do momento, por isso, faz essa linda declaração sobre seu primo: João é mais do que um profeta, ele é o maior dos nascidos de mulher, ele é o precursor do Messias que há de vir ao mundo. É ele o Elias que devia vir ao mundo preparar o caminho do Senhor.

Quantas vezes, meus irmãos, também nós desanimados pelas dificuldades deste caminho nos perguntamos, será que este homem crucificado, a quem chamamos de Jesus, de fato é o Messias que devia vir ao mundo? Será que de fato este mundo é apenas uma passagem para uma vida melhor?

E todo vez que paramos e sentamos a beira do caminho devido à dor e o desânimo os falsos profetas se aproximam de nós vestidos com peles de ovelha[7], prometendo prosperidade, alegria e paz eterna. Meus filhos não se iludam com essas falsas promessas, pois o próprio Cristo diz: aquele que me segue terá tribulação, sofrimento e perseguição[8], mas Eis que estarei convosco todos os dias[9]!

Por isso Tiago dirige esta carta aos sofredores de sua comunidade, exortando-os a não perderem de vista os valores cristãos e a esperarem com paciência a vinda gloriosa do Senhor.

Ele afirma que os pobres sofrem e são explorados pelos filhos das trevas, mesmo assim, não devem se queixar pelo caminho, pelo contrário, devem confiar ainda mais na proteção e na misericórdia de Deus, pois quem confia no Senhor não entra nos esquemas injustos e violentos do opressor.

Nós, juntamente com nossa sociedade não somos os primeiros e nem seremos os últimos a sofrerem nesta terra de Santa Cruz.

Isaias nos lembra na primeira leitura toda a desilusão daquele povo exilado na babilônia e o desespero que tiveram por perderem tudo o que possuíam; eles perderam até mesmo a sua própria dignidade.

O profeta com esta carta busca reavivar a esperança e o ânimo dos exilados, pois ele tem a certeza que Deus vai intervir em seu favor; e de onde vem esta certeza? Ela vem da história de nossa salvação.

O autor começa por interpelar a natureza e a convidá-la a revestir-se de vida e vida em abundância; e ela manifestará a sua alegria pela intervenção Divina.

O deserto morto de vida se transformará gloriosamente para que os libertos do cativeiro passem por ele, assim como os hebreus passaram a pé enxuto pelo mar vermelho[10].

Por isso, Filhos de Deus, nada de desânimo, os sofredores devem unir-se à alegria da natureza, pois a ação de Deus em nosso meio é sempre excessiva, é sempre abundante: o mudo não apenas falará, mas cantará de alegria, o coxo não apenas andará, mas pulará de alegria! E, assim, este segundo êxodo será ainda mais grandioso do que o realizado em Moisés, pois agora é o próprio Cristo quem nos conduzirá à Terra Prometida.

Sabe por que o menor no Reino do Céu é maior do que João Batista? Porque este foi o precursor, o preparador da primeira vinda do Senhor, e nós que somos menores do que ele estamos responsáveis por anunciar as maravilhas do Evangelho e por preparar o coração dos nossos irmãos para a segunda e mais importante vinda de Jesus, onde Ele levará contigo todos os eleitos para a felicidade eterna.

Portanto, irmãos, não tenhamos medo deste mundo mudo, cego e surdo à alegria do Senhor, pelo contrário, façamos os surdos ouvirem a Palavra viva de Deus, façamos os cegos encontrarem em nós a luz de Cristo e os pobres a encontrarem a sua dignidade.

Que possamos junto ao salmista clamar: O Senhor abre os olhos aos cegos, o Senhor faz erguer-se o caído, o Senhor ama aquele que é justo, é o Senhor que protege o estrangeiro.


Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo!



[1] Mt 18,11.14
[2] Is 26,19
[3] Is 29,18
[4] Is 35,5
[5] Is 35,6
[6] Is 61,1
[7] Mt 7,15; 24,4-5
[8] Mt 24,9
[9] Mt 28,20
[10] Ex 14,22

sábado, 30 de novembro de 2013

A LUZ DA FÉ

O papa Francisco nos recorda em sua primeira encíclica, Lumen Fidei[1], que a Filosofia e Teologia são as responsáveis por fecundarem a nossa compreensão do mundo, das coisas e das relações humanas, ou seja, uma complementa a outra; porém, vai ainda nos afirmar que a razão sem a luz da fé é um ‘caminhar na escuridão’, pois Jesus é a luz que veio ao mundo para iluminar toda obscuridade. Somente Ele pode iluminar a cegueira de nosso ser e clarificar a nossa razão, dando-nos discernimento e sabedoria nas tomadas de decisão.

Retomando o livro do Gênesis[2], recordamos que no princípio as trevas cobriam a terra e que por falta de luz ela estava vazia e sem forma e, somente após a iluminação Divina é que ela ganha forma e passa, assim, a ter ordem e vida.

A fé, portanto, nasce do encontro com o Único capaz de dissipar as sombras da nossa escuridão; do encontro com a única e verdadeira fonte capaz de nos trazer a luz da vida.

Mas para o cristão o que é a fé? A fé é a nossa certeza da vida eterna e a nossa resposta de amor ao Deus que nos conduz ao Seu encontro. Nela, recordamos as maravilhas que Deus realizou ao longo da história de nossa salvação.

Se ela é uma ‘recordação’, então se faz necessário conhecer aquilo que o Senhor realizou aos nossos antepassados. E é na palavra, ou seja, na Revelação de Deus, que alimentamos a nossa fé e tomamos conhecimento dos prodígios realizados a nosso favor.

Deparando-nos com a Revelação Divina, tomamos conhecimento do amoroso convite para despojarmos do homem velho e viver a nova vida trazida por Cristo.

A fé e o encontro com Deus, portanto, provém da escuta amorosa da Palavra Divina e do seu anúncio ardoroso e fraterno. Se ela é escuta e anúncio, então se conclui que a fé jamais pode ter como marca o individualismo, pois quem escuta, escuta de alguém que anuncia; neste sentido, podemos afirmar que a fé é uma vocação comunitária, onde o ‘eu’ dá espaço e lugar ao ‘nós’.

Sua transmissão deve iniciar-se na Igreja Doméstica, ou seja, em nossos lares, onde os pais, dando continuidade a obra da criação, transmitem aos seus filhos a verdade de nossa história e a finalidade da nossa vida.

Quando perdemos essa ‘Tradição Familiar’, perdemos, conjuntamente, a noção da constante presença amorosa de Deus em nosso meio, rompendo, assim, o nosso elo e a nossa configuração com Àquele que é o centro de nossa fé e de nossa existência: Jesus Cristo, a quem nos unimos pelos sacramentos, onde tocamos e somos tocados por Ele.

São os sacramentos que nos abrem a este grande mistério da fé e são eles que nos mostram e reafirmam a certeza de que a fé não é algo individual, pois ninguém pode e nem consegue sacramentar a sim mesmo, legitimando, assim, as palavras de Cristo que diz: ‘pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles[3].

Além das Escrituras e dos Sacramentos que nos ajudam a edificar a fé neste longo caminho rumo a Jerusalém Celeste, temos também a Doutrina, o Decálogo que nos auxiliam nesta caminhada, para que não saiamos da estrada e do itinerário do amor.

A fé não pode ser vista apenas como um caminho que nos leva ao reino dos céus, mas antes, como um edifício, uma morada na qual somos convidados a habitar, pois o reino de Deus já se faz presente em nossa vida hoje, aqui e agora como nos recordou outrora o papa emérito Bento XVI[4].


[1] ARAUJO, Hilton José. A luz da fé: síntese. 29 nov. 2013. In.: FRANCISCO (Papa). Lumen fidei: carta encíclica, n. 197. São Paulo: Paulinas, 2013.
[2] Gn 1,1-5
[3] Mt 18,20
[4] Mensagem pascal, 2012.

sábado, 21 de setembro de 2013

ADMINISTRAI COM SABEDORIA OS BENS DO SEU SENHOR!

Am 8,4-7 ; Sl 112 ; 1Tm 2,1-8 ; Lc 16,1-13  (25º Domingo do Tempo Comum – 22/09/2013 – Ano C)

Caríssimos irmãos, neste 25º domingo do Tempo Comum, somos convidados a refletir sobre as nossas atitudes diante dos nossos irmãos e, sobretudo diante dos prazeres mundanos, dos prazeres que a vida terrena proporciona a cada um de nós; Jesus vem com esta parábola nos mostrar como somos espertos diante das coisas do mundo e, retrógrados, lerdos na compreensão dos bens espirituais.
Este evangelho nos ensina e nos ajuda a fazer um verdadeiro exame de consciência e, assim, analisar se estamos agindo ou não em conformidade com os princípios do reino de Deus.
Então, nesta perspectiva em fazer um exame de consciência, gostaria de refletir, de modo sintético, três grandes movimentos que regem esta parábola: 1 – O colóquio, o diálogo entre o administrador infiel e seu Senhor; 2 – o solilóquio (monólogo interior) do administrador e; 3 - por fim, refletir o ato, a ação entre o administrador e os devedores de seu Senhor.
Neste sentido devemos refletir nossas atitudes e comportamentos diante: de Deus; diante de nós mesmo; e por fim, diante do irmão; ou seja, Eu e Deus, Eu e Eu mesmo e, Eu e o próximo; esses são os três grandes passos para se realizar um verdadeiro exame de consciência e, assim, se converter de coração sincero e ardoroso.
Como sabemos, todo administrador deve ser alguém de grande confiança de seu Senhor, já que necessariamente muitos de seus bens devem passar por suas mãos.
E uma vez que está confiança é rompida, já não há mais o que fazer a não ser encerrar todo vínculo existente entre as partes; e é o que este homem de muitos bens faz com aquele que se tornara infiel; rompe os laços, os vínculos existentes entre eles.
Perplexo com toda a situação, aquele homem rico dá o seu veredicto final dispensando o administrador infiel, que por sua vez deveria prestar-lhe contas de todas as dívidas existentes.
Tendo consciência e sabendo perfeitamente dos seus erros, aquele administrador não esboça nenhuma autodefesa; ele não busca justificar os seus erros e suas falhas, pelo contrário, ele reconhece que errou, tanto para com o seu patrão, como para com o seu próximo.                                                               .
Como é difícil para nós cristãos que comungamos todos os dias o corpo e o sangue de Cristo reconhecer as nossas falhas e limitações; se cada um de nós, nos colocarmos no lugar deste administrador, com toda certeza arrumaríamos mil e um desculpas para justificar os nossos atos; e, assim, como Adão e Eva[1], colocaríamos a culpa no outro e nos isentaríamos de no mínimo cinquenta por cento da culpa.
O esposo sempre dirá que a responsável por determinada situação é a esposa; a esposa, por sua vez dirá que a culpa é do esposo; a pastoral A dirá que a culpa é da pastoral B, e este dirá que a culpa é do padre que por sua vez colocará a culpa em A ou B e, este círculo vicioso vai se perpetuando até que a situação chegue ao seu limite, e quando uma situação chega ao seu extremo, já não tem mais o que fazer. E é neste momento, de extrema perplexidade, que deixamos de viver e anunciar a Boa Nova do Senhor; que é o amor, o perdão e a misericórdia.
É necessário fazer como aquele infiel, reconhecer a nossa falha, o nosso erro e, assim, replanejar os projetos e atitudes que devemos tomar de agora em diante. É necessário buscar uma solução e, não procurar culpados ou se dar por vencidos como muitas vezes fazemos, choramingando e maldizendo os nossos irmãos por todos os cantos e lugares.
Este administrador caindo em si se dá conta da delicadeza e da gravidade de sua situação; do dia para a noite ele se vê perdendo tudo, todas as suas regalias e comodidades. Desesperado, busca saídas que, segundo ele, não são cabíveis para si (trabalho pesado e mendigar).
Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha[2].
Após refletir sobre a sua situação, este homem usa o pouco tempo que lhe resta, o presente, o hoje, o aqui e o agora, para garantir-lhe o futuro, para garantir-lhe o amanhã; ou seja, fraudar novamente o seu senhor para garantir um futuro mais confortável; um futuro onde ele pudesse ter os seus sofrimentos aliviados.
E então ficamos chocados com a lição que Jesus nos dá nesta parábola: “O Senhor elogia a esperteza do administrador infiel”; e devemos, sim, nos perguntar: como pode o Senhor Jesus que tanto pregou a justiça e o respeito ao próximo elogiar a desonestidade daquele homem?
Queridos irmãos, é evidente que Jesus não apóia atitudes desonestas, mas observa e nos ensina como somos espertos quando nossos interesses são mundanos; quando nossos interesses estão pautados em coisas materiais; buscamos garantir nossa vida terrena com casa própria, carros, com uma bela poupança, seguros etc., e esquecemos do futuro mais importante, que é a morada eterna, a morada no reino dos céus. Somos mais espertos em cuidar das coisas corporais do que das espirituais, nos afirma Jesus.
Nós cristãos temos uma visão imediatista, uma visão curta, uma visão que não enxerga o amanhã; Iremos um dia, meus queridos, perder toda e qualquer posição social que temos nesta vida e, por isso, devemos nos perguntar: ‘como estamos preparando o nosso futuro quando o Dono da vinha pedir contas de nossa administração’.
Aquele administrador agiu prontamente para salvar e garantir o seu futuro. Sabendo o que estava em jogo, aquele homem não dormiu e nem deixou as coisas para serem resolvidas amanhã, mas de imediato ele começou a reescrever a sua vida e sua história.
Não adianta acumularmos riquezas materiais, pois o Senhor pode pedir conta de nossa vida ainda esta noite! Vai dizer Jesus na parábola do Rico Insensato[3].
Portanto, fazamos como este homem e não deixemos para amanhã as obras de amor e caridade, para que o Senhor da Messe não fique perplexo com a nossa insensatez e com a nossa falta de misericórdia.
Neste dia, meus irmãos, dois passos importantes já foram dados rumo aos céus: Pudemos refletir sobre a nossa relação com Deus e sobre a nossa relação conosco mesmo, tomando consciência do que e de quem nós somos; agora, o próximo passo poderá ser dado ao sairmos desta celebração, que é a nossa relação com o outro, sobretudo com aqueles que temos mais dificuldades de nos relacionar.
Aquele infiel chamou todos os devedores de seu Senhor e não fez nenhuma acepção de pessoa, mas agiu igualmente com cada um daqueles pobres sofredores.
Sabemos que este último passo é sem dúvida o mais difícil, por isso que São Paulo dirá na carta a Timóteo que é necessário que em todos os lugares rezemos, sem ira e sem discussão, pois esta é à vontade salvífica de Deus, que rezemos uns pelos outros.
E eu lhes pergunto: querem começar a viver o reino dos céus em sua vida hoje, aqui e agora? Então perdoe, ame e faça pelo seu próximo àquilo que você faria para o próprio Senhor.
Convido vocês a fazerem a experiência de olhar para o seu irmão e enxergar nele não a Maria ou o João, mas, sim, o próprio Jesus; Se vocês conseguirem enxergar no outro o rosto fraterno de Cristo, então verão e sentirão como é bom viver em paz com o irmão; pois vivendo em paz com o seu próximo, viverás em paz contigo mesmo.
Não deixe meus irmãos, que ninguém destrua a sua alegria e sua paz, e muito menos deixe para amanhã as boas obras que vocês podem fazer hoje, pois amanhã pode ser tarde demais. Vivam com fervor o evangelho e verão que mesmo na dor e nas dificuldades vocês serão felizes, porque sabem em que colocaram a esperança[4].
Louvado seja o nosso Senhor Jesus Cristo!


[1] Gn 3,12-13
[2] Lc 16,3
[3] Lc 12,20
[4] 2Tm 1,12 ; Sl 71,5

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O SENHOR É NOSSO AUXÍLIO E PROTEÇÃO, ESCUTAI-O!

Gn 15,5-12.17-18 ; Sl 26 ; Fl 3,17-4,1 ; Lc 9,28b-36  (2º Domingo da Quaresma – 24/02/2013 – Ano C)

Caríssimos irmãos, já estamos no segundo domingo da Quaresma, domingo do diálogo amoroso de Deus com o seu povo; domingo da revelação do projeto libertador de nosso Deus altíssimo.
 
Desde o segundo domingo do Tempo Comum, são Lucas vem de forma insistente evidenciando a palavra de Jesus como o ápice de nossa vida e nosso caminhar.
Novamente direi que no segundo domingo do TC, nas Bodas de Cana, Maria coloca a palavra de Jesus em evidência quando pede aos serviçais que façam tudo o que Ele mandar; no domingo seguinte o próprio Jesus declara que toda palavra anunciada pelos profetas realiza-se e dá pleno cumprimento Nele; já no quarto domingo Jesus é expulso de sua cidade natal justamente por causa de sua Palavra, no quinto domingo do tempo comum, Pedro declara que “em atenção a Palavra de Jesus, ele lançará [novamente] as suas redes[1]. Domingo passado, vimos que Jesus sai vitorioso do deserto por causa da sua fidelidade à palavra de Deus.
E hoje é o próprio Deus quem coloca as palavras de Jesus como centro na vida de todo aquele que quer cumprir fielmente o projeto divino do Pai.
Para que cumpramos com fidelidade o nosso compromisso de cristão selado em nosso batismo e confirmado conscientemente na crisma, devemos, assim, como são Paulo, ser imitadores de Cristo e seguir como exemplo aqueles que viveram ou que procuraram viver de maneira mais assídua os ensinamentos do Evangelho.
A Transfiguração do Senhor nos traz inúmeros ensinamentos que se fossemos destrinchá-los ficaríamos horas e horas dialogando sobre eles. Por isso, hoje, gostaria de refletir três importantes lições que a Sagrada Liturgia nos proporciona neste dia; lições essas que vão ao encontro dos propósitos quaresmais e que devem estar presentes na vida de cada cristão que é: a oração, a escuta amorosa da palavra (e, o reconhecimento da história de nossa salvação) e a disponibilidade à missão cristã.
Assim como na vida de Jesus, a oração é quem nos coloca em sintonia com o Senhor, ajudando-nos a compreender e cumprir o projeto divino do Pai em nossa vida.
Em todos os momentos decisivos na vida de Cristo, os evangelistas fazem questão de mostrá-los em plena comunhão com o Pai através da oração, confirmando as palavras de Jesus que dizem: “Eu e o Pai somos um[2].

Esta intimidade do Pai e do Filho Lucas salienta afirmando que Jesus subiu a montanha para rezar e enquanto Ele rezava, Deus revela aos seus a glória de seu Filho amado.
Sem a oração em nossa vida esse dialogo amoroso entre Deus e o homem se rompe fazendo com que ele deixe de compreender a boa nova tornando-se, assim, um inimigo da cruz de Cristo.
A falta de oração nos deixa como aqueles apóstolos que ficaram anestesiados e completamente paralisados na busca de tornar o reino do céu presente no nosso dia-a-dia, no hoje, no aqui e no agora.

Todas as desgraças que vivemos atualmente e, também em toda a história do mundo, é devido a essa falta de intimidade com Deus; nossas famílias já não se preocupam com a sua vida espiritual , dedicando-se apenas às riquezas materiais e desnecessárias; hoje, o que interessa é satisfazer de modo exorbitante os nossos prazeres corporais e, sobretudo, o nosso ego e bem estar.
Lembro-me que antigamente quando íamos para a catequese já sabíamos ao menos algumas orações que nos colocavam em sintonia com o Pai e também já sabíamos algumas das principais histórias de nossa salvação, hoje, esse cenário é completamente diferente, as crianças que vão à catequese já não sabem nem mesmo qual é o sinal que nos identifica como cristãos.

Muito nos questionamos de o porquê nossas famílias são desestruturadas, o porquê a pastoral A ou B não vai pra frente; o porquê minha família é cheia de problemas, o porquê essa ou aquela pastoral não atinge as propostas estabelecidas.
E a própria palavra de Deus é quem vai nos responder essas perguntas e ao mesmo tempo nos questionar: primeiro - como está à vida de oração de cada membro de nossa família ou de nossa pastoral; e segundo - como está à vida de oração da minha família ou da minha pastoral enquanto comunidade; e algo de extrema importância que não podemos deixar passar sem questionar: o que estou fazendo para contribuir com a vida contemplativa de cada membro de nossa família e de nossa pastoral.

São Paulo vai nos dizer que “embora sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo, e, cada um por sua vez, é membro [uns] dos outros[3]. Portanto, cada um de nós temos responsabilidade com os nossos familiares, com os membros de nossas pastorais e, sobretudo, com cada um dos irmãos de Cristo.
Queridos amigos, quando não temos intimidade com o Senhor, intimidade esta que só ocorre através da oração, ficamos como Pedro, João e Tiago completamente medrosos com qualquer situação adversa que nos possa ocorrer.

O papa Bento XVI nos lembra em sua catequese[4] semanal que todo cristão deve conhecer a história de sua salvação para poder, assim, fundamentar a sua fé; todo cristão deve escutar atentamente o que o Senhor quer nos dizer. Se não for para isso que nos reunimos semanalmente, então nossas celebrações estão sendo frívolas e inúteis.
Pedro e os outros certamente ficaram com medo, primeiro porque não haviam criado uma verdadeira harmonia com o Senhor, vejamos que enquanto Jesus rezava, seus discípulos dormiam; e depois porque eles não tinham intimidade com as Sagradas Escrituras, ou seja, com a história de nossa salvação. Como então compreender os designos de Deus se eu não mantenho nenhuma relação com aquele que me criou?

A nuvem na Sagrada Escritura é um sinal da presença de Deus em meio a seu povo, como por exemplo, na fuga dos hebreus rumo à terra prometida, onde Deus os protege por meio de uma nuvem[5]; ou quando Salomão declara que o Senhor escolheu habitar a nuvem escura[6] e tantas outras menções que a Bíblia nos faz sobre a presença amorosa de Deus no meio de seu povo.
O próprio Jesus diz que tudo o que foi escrito e anunciado pelos profetas se realiza e dá pleno cumprimento Nele.

O encontro de Jesus com Moisés e Elias quer justamente nos mostrar esta íntima relação entre o Antigo e o Novo Testamento. Como sabemos, Moisés libertou os hebreus da escravidão do Egito e Elias que libertou o povo da idolatria e da opressão de um rei perverso e autoritário, mostrando que é se entregando ao Deus uno e verdadeiro que seu “fardo se torna suave e seu jugo leve[7].
Esses dois grandes nomes da Antiga Aliança afastam-se nos mostrando que estamos em um novo momento da história, onde Deus já não falará por meio dos profetas, mas Ele próprio é quem vai nos falar; mostrando-nos que a Nova e Eterna Aliança nos libertará de uma vez por todas da escravidão do pecado e da morte.

Assim como estamos fechados para a oração, estamos igualmente fechados para a escuta amorosa da palavra; fechamos os nossos ouvidos para aquilo que o Senhor quer nos falar.
Jesus a todo o momento grita em nossos corações: “levantem-se, e não tenham medo[8], vocês foram batizados para anunciarem a boa nova, portanto, “ide pelo mundo inteiro e anunciem a todos o Evangelho[9], esta é a sua missão de cristão. Sai desta tenda, tome a sua cruz e segue o meu exemplo.

Ao invés de irmos ao encontro do outro, vivemos estagnados como aqueles apóstolos na montanha, querendo armar a nossa tenda onde tem somente a paz e a tranquilidade, esquecendo que existem milhares de pessoas precisando da luz de nosso Deus e Salvador.
A Campanha da Fraternidade deste ano nos mostrou que cinco em cada cem mil jovens, entre 15 e 24 anos se suicidam aqui no Brasil; que várias pessoas não têm referências de valores humanos e religiosos em sua vida, entregando-se as drogas, a violência e, tantas outras situações que devem nos deixar angustiados.

Mas Jesus vem ao nosso encontro para nos tranquilizar, para nos acalmar de todo o medo e angustia, “Eis que estarei convosco todos os dias até o fim do mundo[10] e “na minha Igreja o poder das trevas chamais prevalecerá[11].
Que possamos meus amigos, a partir de nosso projeto pessoal, contribuir para o bem comum de toda a humanidade, pois o “Senhor é a nossa luz e [nossa] salvação[12].

“Este é o meu Filho amado, Escutai-o”.

Louvado seja o nosso Senhor Jesus Cristo!

[1] Lc 5,5b
[2] Jo 10,30 ; 17,11.22
[3] Rm 12,5 ; 1Cor 10,17 ; 12,12.19-20
[4] Reflexão do salmo 136. 19 out. 2011
[5] Ex 13,21 ; 16,10 ; 19,9 ; 33,9 ; 40,34 ; Lv 9,19
[6] 1Rs 8,12
[7] Mt 11,30
[8] Mt 17,7 ; Lc 22,46
[9] Mc 16,15 ; Mt 28,19
[10] Mt 28,20
[11] Mt 16,18
[12] Sl 26,1

sábado, 16 de fevereiro de 2013

TODO AQUELE QUE NELE CRER NÃO FICARÁ CONFUNDIDO!

Dt 26,4-10 ; Sl 90 ; Rm 10,8-13 ; Lc 4,1-13 (1º Domingo da Quaresma – 17/02/2013 – Ano C)
 
Caríssimos irmãos, o evangelho de hoje inicia mostrando-nos quem nos dá força, quem nos guia e quem é que nos livra de todo o mal e de tudo aquilo que nos afasta do projeto de Deus.
 
São Lucas, neste primeiro domingo da quaresma nos mostra em primeiro lugar a importância do batismo na vida de cada cristão. É ele quem nos vivifica e nos faz herdeiros do reino de Deus; é o Espírito recebido no batismo quem nos auxilia em nossos momentos de dificuldade e de escuridão.
 
É através do batismo que nos tornamos FILHOS DE DEUS, porque nele morremos para o pecado, a fim de vivermos a vida nova trazida por Cristo.
 
Então, após salientar a importância deste sacramento em nossa vida, o evangelista nos apresenta as tentações sofridas por Jesus no deserto; tentações essas que cada um de nós também sofremos diariamente.
 
Na primeira tentação Jesus é instigado a perverter-se do projeto de Deus e a tirar vantagem de sua condição divina.
 
Na segunda tentação, o diabo tenta envolver Jesus na gana do poder e da superioridade. E, finalmente na terceira tentação ele busca colocar Deus à prova e, assim, realizar um sinal espetacular, um sinal que demonstre ser Ele o amado do Pai.
 
Mesmo diante das tentadoras propostas, Jesus não abre mão do projeto divino, pois Ele sabe que somente seguindo fielmente os planos de Deus é que Ele poderia libertar o Seu povo oprimido e escravizado pelo pecado.
 
Vejamos que nenhuma proposta de Jesus a seus discípulos são absurdas ou impossíveis de serem cumpridas, e para provar isso, o próprio Messias faz questão de superá-las primeiro, de comprovar que o que Ele diz não é nada de outro mundo.
 
Quando Jesus em Lc 9,23 diz a seus discípulos que “se alguém quiser segui-lo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e segue-me”, Ele quer justamente nos dizer: Meu filho, você é um ungido do Pai, por isso, vença as tentações da vida, assim como Eu as venci.

Portanto, renunciar a si mesmo é rejeitar qualquer proposta, como na primeira tentação, de se beneficiar da condição que exercemos, como os pais, por exemplo, que muitas vezes abusam dessa condição fazendo de seus filhos verdadeiros escravos ou de nossos coordenadores de pastorais que esquecem do testemunho de Jesus e pensam que estão a frente das pastorais para conseguirem privilégios ou exercerem as funções mais cômodas na comunidade, esquecendo que o Senhor nos diz: “quem quiser ser o primeiro, seja o último”. Portanto, rejeitar a si mesmo é rejeitar essa vida de abundância, de gula, de prosperidade desonesta e tantos outros prazeres que visam somente o “eu”, somente a satisfação de meus desejos pessoais.

A segunda tentação é um grande problema em nossa vida, pois nela está envolvida o poder e, sobretudo o nosso ego. Ser dono da vida do outro, mandar e desmandar, dominar tudo e todos é o grande anseio do homem em todos os tempos e lugares; tomar a sua cruz é justamente trocar o poder pelo servir; Jesus não prostrou-se diante do diabo, mas prostrou-se diante de seus apóstolos na última ceia para servi-los, testemunhando como deve ser a vida e as atitudes de todo cristão.

E, finalmente, “segue-me”; seguir Jesus é ter as mesmas atitudes que Ele, que em nenhum momento duvidou do amor do Pai, nem quando vivia o ápice da experiência de sua paixão pela humanidade; e muitas vezes nós lamentamos, choramos e reclamamos por qualquer situação que nos desagrada ou pela primeira dificuldade que aparece em nossa vida; aí caímos na terceira tentação, pedindo a Deus uma prova de seu amor.

Seguir Jesus é olhá-lo e tê-lo como único fundamento, como único alicerce em nossa vida. Jesus não ficava comparando os seus discípulos com os do vizinhos, como muitas vezes fazemos; nós nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos; é sempre a grama do vizinho que é mais verde; é sempre o filho da vizinha que é um bom filho; é sempre a pastoral do outro que é melhor e mais produtiva e, assim, por diante.

Siga os passos de Jesus, alegra-te com aquilo ou com quem Deus colocou na sua vida e cumpra com amor e fidelidade o projeto de Deus, testemunhando, assim, com grande fervor a sua cristandade e ai sua fé.

E neste sentido a primeira leitura nos fala da profissão de fé dos israelitas que se alegravam por todos os prodígios e maravilhas que o Senhor havia feito a seu favor.

Observe que a leitura se inicia expondo um rito, o que chamamos hoje de liturgia; o rito não é para nos engessar e muito menos para nos transformar em meras máquinas, mas, sim, para ajudar a aproximarmo-nos do Senhor com grande respeito e alegria, apresentando a Ele não ofertas materiais e supérfluas, mas a nossa vida, o nosso ser e tudo aquilo que somos.

Só então tendo com clareza o que, de fato, estamos fazendo na presença real do Senhor é que seremos capazes de verdadeiramente professar a nossa fé na paixão-morte-ressurreição de Jesus.

Quando não sabemos o que estamos fazendo e professando, nós achamos graça em tudo, nos distraímos por qualquer coisa e passamos a mecanizar aquilo que deveria nos levar a Deus.

Vejamos que Moisés e seu povo tinham bem claro o que eles estavam fazendo naquela celebração; eles tinham a certeza de que não estavam ali apenas cumprindo um preceito ou porque aconteceria uma festinha/um ágape após aquela celebração.

Todos tinham a convicção de que estavam ali comemorando a sua páscoa, a sua libertação do Egito, a sua libertação da opressão e da escravidão; eles estavam ali reconhecendo que o Senhor, somente Ele é o nosso refúgio e proteção; e as vezes me questiono se, de fato, nós cristão sabemos o significado de estarmos aqui renovando e comemorando a páscoa do Senhor que também é a nossa páscoa.

São Paulo na segunda leitura vem nos confirmar que não é o cumprimento de um preceito que vai nos salvar e no libertar das tentações do mundo, mas é o nosso testemunho de vida que vai garantir o nosso lugar na morada eterna.

No tempo de Jesus grande parte das pessoas acreditavam que a salvação se dava simplesmente pela observância e prática da lei, embora não seja necessário ir tão longe, pois no nosso tempo também fazemos praticamente tudo por tradição, batizamos para tirar o mal olhado, fazemos a primeira eucaristia e a crisma porque senão eu não posso casar na Igreja, dou esmola porque o padre diz que todo cristão tem que praticar a caridade e, assim, por diante.

É, por isso, que Jesus diz: “que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita[1], pois muitas vezes praticamos algo não porque estamos convictos de que o outro é meu irmão em Cristo, mas para mostrar para a Joana, a Maria, a Silvana e tantas outras que estamos bem de vida, que eu sou um santo, que eu sou caridoso e tantos outros pensamentos supérfluos e que não acrescentam em nada na nossa vida.

E aí Paulo irá nos dizer: “ouçam as escrituras, ouçam aquilo que nós apóstolos pregamos”, de que Jesus morreu, ressuscitou e vivo está em nosso meio para nos conduzir ao seio materno do Pai.

Aliás, nestes quatro domingos do tempo comum, refletimos de maneira intensa a palavra de Deus como centro e cume de nossa vida: O segundo domingo do TC, nas Bodas de Cana, Maria coloca a palavra de Jesus em evidência quando pede aos serviçais que façam tudo o que Ele mandar; no domingo seguinte o próprio Jesus declara que toda palavra anunciada pelos profetas realiza-se e dá pleno cumprimento Nele; já no quarto domingo Jesus é expulso de sua cidade natal justamente por causa de sua Palavra. E no domingo passado, Pedro declara que “em atenção a Palavra de Jesus, ele lançará [novamente] as suas redes[2]”.

Uma vez crendo nas palavras de Jesus e tendo a convicção de que Ele morreu e ressuscitou por cada um de nós, seremos capazes de transformar em gesto fraterno aquilo que professamos e, então compreenderemos que não existe judeu e grego, pobre e rico, bonito e feio, mas, sim, filhos amados de Deus.

Que nesta quaresma consigamos refletir sobre o que, de fato, professamos e cremos; e que possamos “pela observância da quaresma, celebrar de coração purificado o grande mistério pascal do Filho Amado do Pai[3]”.

Louvado seja o nosso Senhor Jesus Cristo!

[1] Mt 6,3
[2] Lc 5,5b
[3] Roteiros homiléticos da quaresma, 2013. p.11.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

SE ALGUÉM ME SERVIR, O MEU PAI O HONRARÁ!

Is 6,1-2a.3-8 ; Sl 137 ; 1Cor 15,1-11 ; Lc 5,1-11 (5º Domingo do Tempo Comum – 10/02/2013 – Ano C)
 
Caríssimos irmãos, já estamos na 5ª semana do tempo comum e nos aproximamos do tempo quaresmal onde somos convidados a refletir sobre o nosso sim a Deus, a aprofundar a nossa fé e a saborear a esperança cristã na expectativa da libertação pascal; ou como nos lembra São Paulo[1], somos convidados a sofrer com Cristo para participar de sua glória e sentir, na vida, a alegria de sua Ressurreição .
Então, nos quatro primeiros domingos do tempo comum são Lucas nos faz refletir de maneira intensa a Palavra de Deus como o centro e o cume de toda a nossa vida. O segundo domingo do TC, nas Bodas de Cana, Maria coloca a palavra de Jesus em evidência quando pede aos serviçais que façam tudo o que Jesus mandar; no domingo seguinte o próprio Jesus declara que toda palavra anunciada pelos profetas realiza-se e dá pleno cumprimento Nele; já no quarto domingo Jesus é expulso de sua cidade natal justamente por causa de sua Palavra. E neste domingo, Pedro declara que “em atenção a Palavra de Jesus, ele lançará [novamente] as suas redes[2].
Meus queridos amigos, na liturgia de hoje a Santa Mãe Igreja nos encoraja a aceitar e a cumprir com todo o vigor a missão que recebemos em nosso batismo de ser anunciadores do Santo Evangelho.
E neste sentido o evangelista nos apresenta o chamado dos quatro primeiros apóstolos que mesmo esgotados por trabalharem em vão a noite inteira, ouvem a voz do Senhor que diz: “meu jugo é suave e o meu fardo é leve[3].
Neste evangelho costumamos dar ênfase no chamado de Pedro, André, João e Tiago e deixamos em segundo plano um detalhe que é vital para o amadurecimento de nossa fé; Lucas deixa claro que antes do chamado é necessário à escuta do anúncio do reino, pois é a escuta que nos fortalece na fé.
Jesus alimenta aquele povo que vem a sua procura cheios de “sede e fome[4]” da palavra de Deus, e seu ensinamento é repleto de poder porque Jesus não apenas fala aquilo que Ele pensa, mas testemunha com a sua vida àquilo que Ele acredita; é o testemunho que dá credibilidade para aquilo que anunciamos.
É por causa desta credibilidade que Pedro, experiente pescador acata a descabida proposta do então desconhecido Jesus de lançar novamente as redes.
Nossos trabalhos quando não estão fundamentados em Cristo é como esta pescaria noturna de Pedro e seus companheiros, ela infeliz e improdutiva. Muitas vezes, meus queridos, nossas pastorais se perguntam o porquê da dificuldade em edificar este ou aquele trabalho; o porquê da dificuldade em conscientizar a cada membro daquela pastoral de que o trabalho por ele realizado é para a edificação do reino de Deus em nosso meio, e não para a edificação do João, Ricardo, Maria e etc.
A pesca só se torna produtiva para aqueles apóstolos porque mesmo diante daquela proposta absurda, aceitam a palavra de Jesus e fazem aquilo que o Senhor ordena.
E quando entregamos a nossa vida, o nosso trabalho e nossas ações ao Senhor, Ele vai direcionando-nos para os caminhos do mundo novo; mundo de alegria, de paz e de serenidade. Mas esta alegria pode muitas vezes se tornar uma grande decepção quando ela se torna uma alegria egoísta; e quando não sabemos partilhar aquilo que temos, as nossas redes podem não suportar tudo aquilo que carrega.
Uma rede que é lançada ao mar, quando puxada vem cheia de peixes e tantos outros frutos do mar, mas, também, vem carregada de sujeiras e coisas indesejadas. Os peixes podemos definir como a graça, como aquilo que, de fato, queremos e esperamos; já as sujeiras são as fofocas, as intrigas, a divisão e tantas outras coisas que nos tiram a paz e a felicidade.
E a Sagrada Liturgia de hoje quer justamente nos conscientizar de que todas essas coisas indesejadas, coisas que ninguém quer, infelizmente estarão sempre presentes em nossa vida, porém, aquele que está em sintonia com a Palavra de Deus descobre que a graça do Senhor nos ajuda a cumprir nossa missão, pois ela age mesmo diante de nossos erros e fraquezas.
Neste sentido, a primeira leitura nos fala da vocação de Isaias, o segundo maior profeta do Antigo Testamento; é claro que todos os profetas são importantes, mas o próprio Jesus fez questão de salientar que não houve nenhum profeta nascido de mulher maior do que João Batista, portanto é um erro passar por cima das palavras do Senhor, como muitos fazem pelo mundo a fora.
Mas através da vocação de Isaias vemos que todo aquele que é imbuído pela presença real de Deus não consegue ter os seus lábios grudados e exclamam em alta voz para que todos ouçam que o “Senhor dos exércitos é o único e verdade Santo de Israel[5]; que o Senhor do céu e da terra caminha com o seu povo e a todo o momento nos exorta a “não [termos] medo[6]”, pois mesmo que passemos pelo vale das sombras[7] Ele estará conosco”, nos guardando e nos protegendo.
O profeta Isaias a partir de sua experiência nos mostra e nos ensina que todo homem na presença de Deus sente-se indigno, pequeno e, sobretudo sente-se impuro; é por isso que ao iniciarmos cada celebração, onde estaremos diante da presença real do Cristo Eucarístico, que reconhecemo-nos desmerecedores de tamanha graça e confessamos publicamente essa nossa indignidade.
Agora, não adianta reconhecermo-nos indignos a cada domingo se não nos convertermos de coração sincero e nos dispor a superar ao menos uma fraqueza por vez.
O termômetro para sabermos se de fato estamos nos convertendo ou não é o comprometimento que temos com a palavra ouvida e meditada.
A todo instante, meus amigos, Deus nos convida a conversão e todo aquele que se converte sinceramente responde com grande alegria “Aqui Estou! Envia-me, Senhor[8]; edificando, assim, não apenas a sua própria vida, mas a vida de toda a nossa comunidade.
Na segunda leitura, Paulo nos mostra um atalho para que realizemos de modo eficaz a nossa missão profética. Ele lembra em primeiro lugar aos coríntios que ele não só pregou, mas continua pregando com todo o vigor somente aquilo que ele mesmo recebeu em primeiro lugar, do próprio Cristo que o escolheu para ser um dos pilares de sua Igreja, e daquilo que recebeu dos próprios apóstolos; ou seja, Paulo está testemunhando, por onde quer que passe, a sua própria conversão.
“E o que dá crédito” a sua fé é justamente a sua afirmação na paixão-morte-ressurreição de Jesus. É este o credo que professamos todos os dias, e Paulo, se tratando da profissão de fé é bem claro; ele não deixa nenhuma dúvida sobre qual deve ser a nossa fé, e se ela não estiver fundamentada, alicerçada nesta tríplice certeza, paixão-morte-ressurreição, então estaremos “abraçando a fé em vão[9].
Acho extraordinária esta carta, sobretudo quando Paulo diz que “é pela graça de Deus que sou o que sou[10], afirmando-nos, assim, que sem Deus, por mais que tenhamos tudo, não temos nada; por mais que tenhamos todas as riquezas desta terra, não somos nada; ou seja, sem Deus, não temos nada e não somos nada, essa deve ser a grande nossa certeza.
Este grande apóstolo nos mostrou que a sua conversão foi de fato, uma conversão verdadeira, pois a sua fé o fez trabalhar sem cessar pela instauração do reino de Deus no hoje, no aqui e no agora como nos lembra o papa Bento na tradicional mensagem pascal do ano passado.
Que possamos seguir o exemplo deste memorável missionário, trabalhando com grande fervor no anúncio da Boa Nova e sempre proclamando junto ao salmista que “a glória do Senhor é grandiosa![11].

Louvado seja o nosso Senhor Jesus Cristo!


[1] Rm 8,17
[2] Lc 5,5b
[3] Mt 11,30
[4] Jo 6,35
[5] Is 6,3
[6] Lc 5,10
[7] Sl 23,4
[8] Is 6,8
[9] 1Cor 15,2
[10] 1Cor 15,10
[11] Sl 137,5