Caríssimos
irmãos, o evangelho de hoje inicia mostrando-nos quem nos dá força, quem nos
guia e quem é que nos livra de todo o mal e de tudo aquilo que nos afasta do
projeto de Deus.
São Lucas, neste
primeiro domingo da quaresma nos mostra em primeiro lugar a importância do
batismo na vida de cada cristão. É ele quem nos vivifica e nos faz herdeiros do
reino de Deus; é o Espírito recebido no batismo quem nos auxilia em nossos
momentos de dificuldade e de escuridão.
É através do
batismo que nos tornamos FILHOS DE DEUS, porque nele morremos para o pecado, a
fim de vivermos a vida nova trazida por Cristo.
Então, após
salientar a importância deste sacramento em nossa vida, o evangelista nos
apresenta as tentações sofridas por Jesus no deserto; tentações essas que cada
um de nós também sofremos diariamente.
Na primeira
tentação Jesus é instigado a perverter-se do projeto de Deus e a tirar vantagem
de sua condição divina.
Na segunda
tentação, o diabo tenta envolver Jesus na gana do poder e da superioridade. E,
finalmente na terceira tentação ele busca colocar Deus à prova e, assim,
realizar um sinal espetacular, um sinal que demonstre ser Ele o amado do Pai.
Mesmo diante das
tentadoras propostas, Jesus não abre mão do projeto divino, pois Ele sabe que
somente seguindo fielmente os planos de Deus é que Ele poderia libertar o Seu
povo oprimido e escravizado pelo pecado.
Vejamos que
nenhuma proposta de Jesus a seus discípulos são absurdas ou impossíveis de
serem cumpridas, e para provar isso, o próprio Messias faz questão de
superá-las primeiro, de comprovar que o que Ele diz não é nada de outro mundo.
Quando Jesus em
Lc 9,23 diz a seus discípulos que “se
alguém quiser segui-lo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e segue-me”,
Ele quer justamente nos dizer: Meu filho,
você é um ungido do Pai, por isso, vença as tentações da vida, assim como Eu as
venci.
Portanto,
renunciar a si mesmo é rejeitar qualquer proposta, como na primeira tentação,
de se beneficiar da condição que exercemos, como os pais, por exemplo, que
muitas vezes abusam dessa condição fazendo de seus filhos verdadeiros escravos
ou de nossos coordenadores de pastorais que esquecem do testemunho de Jesus e
pensam que estão a frente das pastorais para conseguirem privilégios ou
exercerem as funções mais cômodas na comunidade, esquecendo que o Senhor nos
diz: “quem quiser ser o primeiro, seja o
último”. Portanto, rejeitar a si mesmo é rejeitar essa vida de abundância,
de gula, de prosperidade desonesta e tantos outros prazeres que visam somente o
“eu”, somente a satisfação de meus desejos pessoais.
A segunda
tentação é um grande problema em nossa vida, pois nela está envolvida o poder
e, sobretudo o nosso ego. Ser dono da vida do outro, mandar e desmandar,
dominar tudo e todos é o grande anseio do homem em todos os tempos e lugares;
tomar a sua cruz é justamente trocar o poder pelo servir; Jesus não prostrou-se
diante do diabo, mas prostrou-se diante de seus apóstolos na última ceia para
servi-los, testemunhando como deve ser a vida e as atitudes de todo cristão.
E, finalmente,
“segue-me”; seguir Jesus é ter as mesmas atitudes que Ele, que em nenhum
momento duvidou do amor do Pai, nem quando vivia o ápice da experiência de sua
paixão pela humanidade; e muitas vezes nós lamentamos, choramos e reclamamos
por qualquer situação que nos desagrada ou pela primeira dificuldade que
aparece em nossa vida; aí caímos na terceira tentação, pedindo a Deus uma prova
de seu amor.
Seguir Jesus é
olhá-lo e tê-lo como único fundamento, como único alicerce em nossa vida. Jesus
não ficava comparando os seus discípulos com os do vizinhos, como muitas vezes
fazemos; nós nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos; é sempre a grama
do vizinho que é mais verde; é sempre o filho da vizinha que é um bom filho; é
sempre a pastoral do outro que é melhor e mais produtiva e, assim, por diante.
Siga os passos
de Jesus, alegra-te com aquilo ou com quem Deus colocou na sua vida e cumpra
com amor e fidelidade o projeto de Deus, testemunhando, assim, com grande
fervor a sua cristandade e ai sua fé.
E neste sentido
a primeira leitura nos fala da profissão de fé dos israelitas que se alegravam
por todos os prodígios e maravilhas que o Senhor havia feito a seu favor.
Observe que a leitura
se inicia expondo um rito, o que chamamos hoje de liturgia; o rito não é para
nos engessar e muito menos para nos transformar em meras máquinas, mas, sim,
para ajudar a aproximarmo-nos do Senhor com grande respeito e alegria,
apresentando a Ele não ofertas materiais e supérfluas, mas a nossa vida, o
nosso ser e tudo aquilo que somos.
Só então tendo
com clareza o que, de fato, estamos fazendo na presença real do Senhor é que
seremos capazes de verdadeiramente professar a nossa fé na
paixão-morte-ressurreição de Jesus.
Quando não
sabemos o que estamos fazendo e professando, nós achamos graça em tudo, nos
distraímos por qualquer coisa e passamos a mecanizar aquilo que deveria nos
levar a Deus.
Vejamos que Moisés
e seu povo tinham bem claro o que eles estavam fazendo naquela celebração; eles
tinham a certeza de que não estavam ali apenas cumprindo um preceito ou porque aconteceria
uma festinha/um ágape após aquela celebração.
Todos tinham a
convicção de que estavam ali comemorando a sua páscoa, a sua libertação do
Egito, a sua libertação da opressão e da escravidão; eles estavam ali
reconhecendo que o Senhor, somente Ele é o nosso refúgio e proteção; e as vezes
me questiono se, de fato, nós cristão sabemos o significado de estarmos aqui renovando
e comemorando a páscoa do Senhor que também é a nossa páscoa.
São Paulo na
segunda leitura vem nos confirmar que não é o cumprimento de um preceito que
vai nos salvar e no libertar das tentações do mundo, mas é o nosso testemunho
de vida que vai garantir o nosso lugar na morada eterna.
No tempo de
Jesus grande parte das pessoas acreditavam que a salvação se dava simplesmente pela
observância e prática da lei, embora não seja necessário ir tão longe, pois no
nosso tempo também fazemos praticamente tudo por tradição, batizamos para tirar
o mal olhado, fazemos a primeira eucaristia e a crisma porque senão eu não posso
casar na Igreja, dou esmola porque o padre diz que todo cristão tem que
praticar a caridade e, assim, por diante.
É, por isso, que
Jesus diz: “que a tua mão esquerda não
saiba o que faz a tua mão direita[1]”,
pois muitas vezes praticamos algo não porque estamos convictos de que o outro é
meu irmão em Cristo, mas para mostrar para a Joana, a Maria, a Silvana e tantas
outras que estamos bem de vida, que eu sou um santo, que eu sou caridoso e
tantos outros pensamentos supérfluos e que não acrescentam em nada na nossa
vida.
E aí Paulo irá
nos dizer: “ouçam as escrituras, ouçam
aquilo que nós apóstolos pregamos”, de que Jesus morreu, ressuscitou e vivo
está em nosso meio para nos conduzir ao seio materno do Pai.
Aliás, nestes quatro
domingos do tempo comum, refletimos de maneira intensa a palavra de Deus como
centro e cume de nossa vida: O segundo domingo do TC, nas Bodas de Cana, Maria
coloca a palavra de Jesus em evidência quando pede aos serviçais que façam tudo
o que Ele mandar; no domingo seguinte o próprio Jesus declara que toda palavra
anunciada pelos profetas realiza-se e dá pleno cumprimento Nele; já no quarto
domingo Jesus é expulso de sua cidade natal justamente por causa de sua Palavra.
E no domingo passado, Pedro declara que “em
atenção a Palavra de Jesus, ele lançará [novamente] as suas redes[2]”.
Uma vez crendo nas
palavras de Jesus e tendo a convicção de que Ele morreu e ressuscitou por cada
um de nós, seremos capazes de transformar em gesto fraterno aquilo que
professamos e, então compreenderemos que não existe judeu e grego, pobre e
rico, bonito e feio, mas, sim, filhos amados de Deus.
Que nesta quaresma consigamos refletir sobre o que, de fato, professamos e cremos; e que possamos “pela observância da quaresma, celebrar de coração purificado o grande mistério pascal do Filho Amado do Pai[3]”.
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